OBEDIÊNCIA ABSOLUTA
"Presta atenção à natureza que te rodeia.
Nela tudo é obediência, obediência absoluta; aqui não ocorre meramente
(como entre os homens) que, em razão de ser Deus onipotente, nada se
faz, sequer o mínimo, sem sua vontade; não, aqui é assim porque tudo é
obediência absoluta. E há nisso enorme diferença; porque uma coisa é que
a desobediência humana mais pusilânime ou obstinada, a desobediência de
um só ou de toda humanidade, nada consiga contra a vontade de Deus,
o onipotente, e outra distinta é que sua vontade se faça porque tudo
lhe obedece absolutamente, porque não há vontade outra fora da sua nem
no céu nem na terra; e eis o caso da natureza. Na natureza vale o que
afirma a Escritura: "que nem sequer um pardal cai por terra sem a
vontade do Pai"; o que não sucede simplesmente porque ele é o
todo-poderoso, mas porque tudo é obediência absoluta, e sua vontade, a
única; não se ouve a menor objeção, nem uma palavra, nem um suspiro
contido; o pardal obediente cai ao solo com obediência absoluta, se esta
é a vontade de Deus. O assobio do vento, o eco do bosque, o murmúrio do
riacho, o zumbido do verão, o sussurro das folhas, o ruído da erva,
cada sonido, qualquer som que percebas, tudo é submissão, obediência
absoluta, e podes ouvir a Deus em tudo, da maneira que podes ouvi-lo na
música que forma o movimento obediente dos corpos siderais. E o
progressivo brio do tempo, e a ligeira flexibilidade da nuvem, e a
fluência gotejante do mar com sua coesão, e a celeridade do som, e a
ainda maior da luz: tudo é obediência. E o pontual nascer do sol, e seu
poente não menos pontual, e a mudança repentina dos ventos, e o fluxo e o
refluxo das marés às horas fixadas, e a concórdia da rotação exata das
estações: tudo, tudo junto é obediência. Sim, se houvesse uma estrela no
céu, e um grão de pó sobre a terra, empenhados em suas próprias
vontades, ambos seriam aniquilados no mesmo momento e com facilidade.
Porque na natureza tudo é nada, entendendo-o assim: tudo é nada distinto
da absoluta vontade divina, e cessa de existir no momento em que não
seja incondicionalmente vontade de Deus."
Que nossa obediência seja como a dos pássaros, uma "obediência absoluta", pois a "pior" obediência é a "obediência ressentida"; aquela que realizamos apenas porque é impossível ir contra a vontade de Deus, o todo-poderoso.
— Søren Kierkegaard, in: "Os lírios do campo e as aves do céu" (1849),
tradução de Henri N. Levinspuhl, p. 258-259.